quarta-feira, 16 de abril de 2014

Lixos-humanos

                De repente eu estava ali, frente a frente com um "lixo humano". Sim, lixo, cujos sinônimos: resto, sobra, sem utilidade. A única diferença é que este possui um coração no peito e um cérebro pensante. Fora isso, é tratado igualmente a qualquer outro objeto descartável, feito farinha do mesmo saco. Jogado e abandonado. Por mim, por você e pelo Estado. Vítima ou culpado? Essa é uma questão irrelevante. O fato é: é um ser humano.

                Esquecemos isso todas as vezes que nos colocamos no lugar das pessoas que sofreram algum dano cometido por eles. Nesse momento, o que sentimos? Repúdio, nojo e sentimento de vingança. E mais uma vez caímos na tendência de vê-lo pelo crime que cometeram e não pela sua existência física. Aquele se transforma em "aquilo". Uma coisa, um criminoso. Perde-se a identificação de ser humano, ao ponto de muitos pensarem "como assim, desejam ter seus direitos humanos respeitados?", como se isso não lhe coubessem. Mas afinal, são humanos também, não?! Lembrando-se, mais uma vez, a questão não é de vitima ou culpado. São direitos básicos de existência, e que não é porque a sociedade é miserável, economicamente falando, que os presídios devem refletir uma situação pior, ou seja, ter uma aparência mais suja e precária do que a vida fora de cela. Até por que, como exemplo, os presídios europeus, diferentemente do que muitos pensam, por serem países desenvolvidos, de “primeiro mundo”, acreditam que a realidade carcerária é outra, mas a verdade é que sofrem dos mesmos descasos estatais, como a superlotação, falta de higienização, entre outros tantos problemas.

                 Tal exemplo e situação revelam que o abandono aos presidiários, ou melhor, aos lixos humanos e sua instituição, é geral. É aqui e é na China. Como também é na Europa. São seres excluídos da sociedade. Nascidos com oportunidades de vida mínimas, jogados em jaulas e negado uma segunda chance. É uma negação implícita, claro. Valendo observar que, jogar um lixo na rua, em qualquer lugar, dificilmente será reciclado, é mais fácil gerar outros novos entulhos, aglomerados. Por que lugar de reciclagem não é na rua, e sim em um lugar específico para tal, que neste caso, deveria ser nos presídios, através de uma educação integrada, mas infelizmente as penitenciárias viraram uma instituição com fins de vingança, de pagar o mal com o mal, um descaso Estatal e judiciário. Só que o efeito é danoso, os punidos enxergam o Poder Judiciário como uma justiça puramente seletiva e elitista, e desconta na sociedade o que passaram dentro das celas.

                 Nesse momento, ao ler as últimas linhas, muitos devem estar pensando em como seria bom mantê-los então isolados até o fim de suas vidas, ou mais radicalmente, como seria mais fácil uma pena de morte. Menos um bandido. Menos um lixo. Mas não vamos tirar o foco novamente do fato, tentaremos ver o outro lado da moeda, nos colocar dessa vez na pele de quem está sendo punido. Vejamos que, se a própria sociedade olha esses seres com desprezo e desconfiança, feito monstros preste a atacar qualquer um, como é que os mesmos serão motivados a se socializarem se a própria sociedade os exclui? É muito fácil querer que uma planta se desenvolva, o difícil é ela crescer sem as condições básicas de existência, como sol e água. Então, como exigir que sejam cidadãos se nós sociedade os tratamos como lixos e não lhes é dado nenhum suporte de desenvolvimento?

                 É preciso uma motivação externa, tanto pela sociedade quanto pelo Estado, para que esses indivíduos se recuperem, pois unicamente enjaulá-los não abstrai o problema, apenas o deixa mais complexo. Portanto, cabe uma reforma carcerária, mas antes disso, uma reforma na mente social, e simultaneamente, uma visão mais ampla e menos elitista frente aos seus "lixos-humanos".

- Ayllane Fulco.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Tem gente...

É, tem gente que aparece de mansinho, se aloja em sua vida tão espontaneamente. Sem pressa ou invasão. Sem intervalos ou desculpas. De repente está ali, ao seu lado, prestes pra te acolher a qualquer momento. É, tem gente que te entende antes mesmo de você se explicar. Que em um olhar consegue captar o seu pensamento. Tem a sensibilidade de notar todos os sinais de oscilações de humor. Tem gente que nem precisa de presença para se fazer essencial. E nem de distância para se fazer falta. Tem gente que vem e fica. E quando fica, é para sempre.

Olhando por dentro

       Tem gente que está com você, mas seus olhos não dizem nada, são distantes e superficiais. Talvez sejam até atraentes pelo mistério que os envolve, mas não passa disso. Já outras pessoas, muitas vezes mesmo sem conhecê-las, parece que te olham por dentro. Nos olhares que se cruzam, em que ambos têm a convicção de que o outro está sentindo a mesma coisa, uma espécie de empatia um pelo outro. E só por alguns segundos esporádicos, uma invasão interna. Sem palavras, sem gestos. Apenas os olhos que conversam numa linguagem puramente particular.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Superficialidade

         Na verdade, eu sempre desejei que um alguém me notasse de fato. Não a minha roupa, minhas fotos, meu rosto, se sou bonita ou feia. Não, mas o meu íntimo. Mergulhar no que não está aparente, no que é profundo, intrínseco. Ter a sensibilidade de perceber o que se passa dentro de mim, naquele momento, sem que eu precise expor com todas as palavras. E que me passe segurança, pisar em terra firme, e não em areia movediça. É que eu sempre preferi ter meus pés sobre o chão. Sem tantos mistérios, sem tantas aparências. Manter a cara limpa, lavada e crua. Exposta e despida. Sem jogos de esconde-esconde. Sem segredos e sem surpresas desagradáveis. Não é que seja livre de defeitos, mas que não sinta a necessidade de esconde-los de mim. Eu não esconderei os meus, pode ter certeza. Esse alguém também precisa ser capaz de me ler em todos os sentidos, literal e figurado. Que simplesmente seja real, e não superficial. Pois no começo pode até ser atrativo, sem defeitos aparentes, nada que soe perturbador. Mas depois de um tempo, é entediante. Já não se sabe, com clareza, se é você que é intensa demais ou se o outro que é uma tábula rasa. E pior ainda, ter que tornar-se superficial também para poder dar certo. Pois quem é assim, não está acostumado a ter pessoas ao seu lado, apenas corpos vazios. Sem cérebro, sem coração, sem olhos... Sem qualquer coisa que remeta à vida.
- Ayllane Fulco

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Comunica-ação

         A comunicação é uma terapia diária. Sociólogos já afirmam que a falta dela leva à angustia e depressão, quando não a problemas mais graves. A falta de denominar os sentimentos, de não saber se expressar, fica nos sufocando, parece até faltar ar nos pulmões. Sentir algo e não saber descrever, é como ter vontade de comer algo e não saber o quê, nem é doce e nem salgado. Não é frio e nem quente. É uma necessidade sem nome aparente. Está ali nos cutucando e não sabemos sua localização, ora atinge a laringe, ora o estômago, por vezes o coração. Já estamos engolindo as lagrimas que não choramos. Desfazendo as palavras que não falamos. Corroendo ideias sem nexo e coerência. Estamos naufragando em pleno chão. Comunica-ação, frustração, falta de ação. Engolindo a seco o que não chegou nem a língua.

Matinal

         Acordei com a cara limpa, cabelos bagunçados, com a cor de pele mais branca que folha de papel. No entanto estava ali, mais pura, mais entregue ao natural. Parece que a alma se expande com os primeiros raios de sol. Tudo é sereno e vívido. Tudo é real com toque de idealização. É um momento em que a paz invade um pequeno quarto, vindo pelas brechas da cortina... Quanto vale esse momento matinal? Aparentemente sem valor nenhum, passa por despercebido, ou melhor, nossas dificuldades diárias sendo processadas em nossa mente, antes mesmo de abrir os olhos, já nos impede de ver a tamanha beleza da simplicidade natural. Apenas queremos fechar os olhos e abrir com a maior lentidão possível para que os mesmos não sofram com o clarão do dia. Pobres seres humanos, não sabemos contemplar a luz.

sábado, 5 de abril de 2014

Loucura

          Hoje a loucura surrou a porta da minha sanidade. Entrou feito um vendaval, tirando tudo do lugar. Cada palavra, medida, forma... tudo que estava em perfeita métrica. Agora, fora de eixo. De contexto. De pernas pro ar.  Toda roupa suja sendo lavada em público, exposta no varal, secando ao ar livre. A paciência escorreu pelo ralo da pia. O tapete foi removido do lugar, sujeira pra tudo que é  lado. A boca feito arma, tiro saindo pela culatra. Palavras pesadas de chumbo. Atingindo ambos. Peito sangrando em carne viva. Pupilas dilatadas. Mãos frias. Um coração em arritmia. O diagnóstico foi dado: loucura generalizada.
-Ayllane Fulco

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Declaração


A verdade é que já tentei de todas as formas deixar tudo para lá, no canto, quieto. Tentei não enxerga-lo quando passava pelo corredor. Tentei não procura-lo com os meus olhos. Tentei pagar com a mesma moeda, com o silêncio. Eu quase consegui. Quase fui até o final. Tudo para me sair por cima. Mas chegando quase ao fim, percebi que não valeria a pena essa ambição egocêntrica protetora. É que, por mais idiota que eu esteja sendo, não consegui esquecê-lo, nem ignorar por muito tempo. Como você mesmo me descreveu, eu sou verdadeira com os meus sentimentos, e por todo esse tempo, contraditoriamente, eu fui covarde com eles. Quando meu ego ficou ferido eu simplesmente quis desistir. Um passo para trás, uma história sem começo e nem fim. Folha quase em branco, apenas rascunhos. Apenas maus entendidos e duas pessoas sem graça.
E agora o meu maior risco é que não sei o que você sente, se já está em outra ou se nunca esteve aqui. É de me declarar pela primeira vez de forma tão direta a um destinatário. Sem meios intermediários ou indiretas...  Mas questão é clara, dessa vez eu estou falando primeiramente por mim, por que eu preciso expor, independente do que vou ouvir como resposta (ou pior ainda, correndo o risco do seu silêncio ensurdecedor), que eu sinto sua falta, do seu “bom dia” e “boa noite”, do seu jeito extremista entre homem e menino, do seu sotaque engraçado, da sua tentativa de me ensinar a dançar, das nossas mãos unidas, dos seus olhos castanho-claro, de vê-lo com o rosto corado de timidez, de senti-lo próximo a mim.
Ok, talvez eu esteja idealizando muitas coisas miúdas, talvez até inexistentes, vivas apenas em minha cabeça oca. Só que eu preciso seguir meus próprios conselhos de liberdade interna. E por fim, e não menos importante, preciso pedir desculpas pelo meu auê, eu sinceramente não queria magoar você.