sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Anastácia

Era uma garota chamada de Aninha, tão tolinha, na flor da idade. Cabelos naturais em cachos ruivos, pele alva revestidas de sardas. Aninha gostava de pensar que conhecia o mundo com as palmas miúdas das mãos, só porque lia muitos livros e contos. Não sabia Aninha que tão pouco ainda havia vivido, e que sua autoconfiança nada mais era do que imaturidade. Ou melhor, ingenuidade.
Aninha logo se apaixonou por um rapaz, entregou-se ao amor como se estivesse entrando ao mar pela primeira vez. Braços abertos, pernas trêmulas tentando manter-se de pé diante das turbulentas ondas. Mistura de sensações, entre medo, alegria, contemplação, angústia... Feito liquidificador em seu peito.
Aninha logo se transformou em Ana, o “inha” soava ingênuo demais para a mulher que estava nascendo diante do espelho. Ana percebeu que Aninha era tolinha mesmo, que suas teorias da vida não passavam de ilustrações baratas, feito clichês em liquidação. Pobre Aninha, pensava Ana, olhando para o espelho, percebendo que estava mais moça, mais alta, mais dona de si.
Ana, a meado de seus vinte anos, considerava-se mulher suficiente para declarar em versos altos o significado da vida. Que, para ela, era o amor. Substantivo abstrato. Em seu peito de mar, de a-mar. Era ana e o mar. Ana e o amor. E tudo parecia fazer-lhe sentido. Era feito uma base de concreto, mas como pode, Ana? Como o amor, sendo abstrato, se solidificar?
Ana diante de seu erro. Ana diante do amor sólido. Que de sólido feito pedra foi atirado contra a sua cabeça. Pobre Ana iludida, com dor de cabeça. Sentido? Qual? O amor se desfigurou em seu peito, mostrou-se em seus olhos que não era concreto, era líquido, era lágrima, com gosto amargo na boca. E agora, Ana? Qual o sentido?
Ana mais uma vez se transformou, dessa vez em Anastácia. Sim, seu nome de RG, igual ao de sua avó. Seu nome soava-lhe ao ouvido tão ríspido, tão ameaçador. Fora deixado de lado no dia de seu nascimento. Aquela criatura frágil, recém-nascida, não combinava com um nome tão forte e antigo. Era o que todos concordavam.
Hoje isso já não a importa. Aninha ou Ana, seja como queiram chamar, já não se importava com a sonoridade das palavras. Talvez isso até a motivasse a adotar um “novo” nome. E agora ela se nomeava como Anastácia. Ríspida. Crua. Fria. Épica. Entre outros adjetivos. Mas, e o sentido? E a vida? A autoconfiança?
Anastácia simplesmente não denominou mais nada. O que era interrogação, continuou sendo. O que não era, passou a ser. A vida se assumiu como uma estranha, ela já não a subestimava mais.  

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