quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Dança


         Saudades do seu sorriso que estava tão próximo do meu, dos seus olhos castanho-claros refletindo as luzes coloridas, da forma pela qual me fazia sorrir. Era tão engraçado o meu jeito atrapalhado, tentando imitar seus passos, que o fazia sorrir da minha confusão e dizer com tanta leveza que eu estava indo bem, só para não me deixar mais sem graça. E ainda insistir no meu jeito atrapalhado, pois ambos sabíamos de como eu era desengonçada, mas ainda assim não largava a minha mão. Às vezes me pergunto por que é que continuei nessa desastrosa tentativa de dançar, mas no fundo eu sabia que valeria a pena, e já estava valendo, pois o que importava para mim, naquele momento, era senti-lo próximo, de uma forma que eu não sei muito bem explicar, todas às vezes crio uma nova explicação. Mesmo só o conhecendo de vista, o que torna tudo isso uma história muito boba e inocente (o pior é que sei de tudo isso), algo não me deixava soltar sua mão, que a mantinha como válvula de escape à minha vergonha, em cada erro a prendia com mais força, como se estivesse preste a explodir. Sempre pensei que para me fazer dançar fosse necessário muita bebida alcóolica para quiçá eu tivesse coragem, mas naquela noite não sei o que diacho me fez vencer a timidez, com certeza era algo mais forte do que vodka pura, mesmo sem ter um pingo de álcool em meu sangue. E o que aconteceu? Nada, ficamos apenas dançando de uma forma engraçada, até ele ir embora. E agora fico me perguntando o porquê que estou assim, tão confusa, talvez eu seja idealista demais, me prenda a pequenos detalhes que ninguém nem os perceba. E talvez ele nem tenha percebido todos esses detalhes numa dança. E mais um talvez: talvez eu estivesse certa quando disse que iria acabar desistindo de me ensinar a dançar. E naquela noite, ele acabou desistindo de mim também.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Qual o sentido?

              Alguém aí pode me explicar qual o sentido de “ficar”? Ok, não estou aqui querendo impor uma lição de moral, longe disso, eu só queria entender o que se passa na cabeça das pessoas quando vão em uma boate com essa intenção. É, até que sei o que se passa, as pessoas querem “matar” um desejo carnal, mas será que não sentem um vazio depois? Ou até mesmo durante?
Não digo que conhecer alguém seja um problema, é claro que não! Até acho importante e essencial primeiramente conhecer a pessoa antes de se ter algo mais sério, e deixando claro que conhecer nem sempre significa de primeiro o “ficar”, mesmo que venha a acontecer, que seja porque algo bateu, conexões, e não só físicas, mas mentais também. Mas o ficar por ficar, já com a falta de interesse um com o outro, sabendo que se é descartável e que todos os outros também o são, qual o sentido disso tudo?
Fiquei martelando tal pergunta por um tempo, achei que o problema fosse por querer dar sentido a tudo, mas talvez seja como um amigo me alertou “você está dando o sentido errado”, mas aí a pergunta mais uma vez fica pairando no ar: então qual é o sentido?
Qual o sentido de fingir que esqueceram o coração em casa? De ter e fazer carícias em várias pessoas que até então são vazias? De até ter um momento legal e no outro dia fingir que nada aconteceu e partir para a próxima? Até quando esse ciclo acaba? E mais uma pergunta: qual o sentido de ser descartável?
Por muito tempo achei que o problema fosse comigo, mas vendo de perto todas aquelas pessoas em uma espécie de caça humana, foi quando percebi que o problema está nesse sistema novo de interação social, nessas novas regras que surgem com a intenção de banir com as regras passadas, meio paradoxal, não?! As pessoas querem se libertar das ordens e conservadorismo, e se entregam às novas regras sociais, as de serem e tornarem as outras uns objetos descartáveis, banais e substituíveis! Um belo progresso social!
 

Sentir efêmero

Hoje eu sinto a vida me perturbar, ou melhor, as palavras que lutam em saltar velozmente, não consigo contê-las. Chega um momento em que me entrego total a essa força sublime, que faz de mim apenas um objeto de escrita, um mero coadjuvante em meio a sua vivacidade.  É quando me pergunto em que ponto vou chegar, mas logo me vem em mente escrever sem pretensão, sem suborno, sem planos. Há um sentimento maior do que eu, é como um destino, que não me pertence, apenas me usa, me leva a dar contorno às palavras. Esse sentimento nada mais é do que a inspiração, a companheira de tantas noites atônitas, tão passageira, me deixando as vezes só, na improvisação. Teimo para que volte nesses períodos de solidão, sinto que sozinha não tenho força, nem tão pouco criatividade ou conteúdo.  É o sentir efêmero que me preenche...
Ayllane Fulco

domingo, 26 de janeiro de 2014

Tão longe

Hoje eu só estou respirando lentamente com o tempo, de braços debruçados sob a janela aberta, tão longe de tudo. Tão longe do meu espaço protegido, da minha estabilidade. É que hoje me rendi à melancolia sem subestimá-la, bateu na porta da minha solidão, e eu a convidei para se instalar em minha residência. Que mal há nisso? Quem nunca se rendeu a si mesmo? Às vezes é preciso deixar a racionalidade descansar um pouco e se entregar aos sentimentos, por mais desastrosos que os sejam. Deixar com que a pele se descame. Rever os velhos fantasmas da mente. E não ter que ir de contra ao natural, render-se por completo a si. Sem músicas, sem festas, sem companhia, apenas a si, a sua alma, ao seu corpo, ao seu templo.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Hipermetropia

       Desculpa por reclamar de falta de amor sabendo que me amava, e por todas as vezes em que me senti tão sozinha enquanto segurava a minha mão. Desculpa pelas vezes em que sorria alegremente para mim e eu tão insensivelmente lamentava por todas as minhas desgraças. E pelas vezes em que não o vi tão perto, questão de centímetros. Por ter deixado você partir, mesmo sem ter notado sua despedida, suas malas prontas, com o guarda-roupa já vazio. Por não ter dito "até logo" ou "apareça sempre". Desculpa por não ter visto aquela lágrima que caia de seus olhos todas as vezes em que eu fui arrogante com todos, principalmente com você. Peço perdão pela falta de sentir falta, é que meu coração é lento demais com as emoções, um sistema falho em processo. Desculpa pelas vezes em que me ausentei. Pelas indiretas tão diretas. Pelo egoísmo espontâneo. Por todas as desculpas. E principalmente, peço perdão pela minha hipermetropia, é que tenho dificuldades de enxergar de perto, tive que deixá-lo se afastar para que só assim eu pudesse vê-lo, a quilômetros de distância de mim.
- Ayllane Fulco

Estrela

Por mais tola que eu pareça ser, e sou, eu continuo aqui, feito um fantasma talvez. Apareço de mansinho, no escuro de sua memória já tão preenchida de tantas coisas vãs. Fico no meu canto, quieta. Como uma pequena estrela, distante e em silêncio, que basta apenas olhar para os céus e perceber que sempre estive por lá, observando cada passo seu. Mas não se sinta intimidado com minha presença, se não a quiser, basta apenas não levantar os olhos. No entanto, quando sentir minha falta, mas seu orgulho for maior do que sua vontade, basta parar um pouco e contemplar o sereno céu, olhar em silêncio para mim. Mesmo quando estiver nublado, e não conseguir me perceber, ainda assim estarei por entre as nuvens, carregadas de gotas d'água. Mas não se incomode quando chover, às vezes será necessário desaguar o que já acumulou com o tempo, purificar a alma.
-Ayllane Fulco

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Fora da cena

       Eu estava frente a frente comigo mesma, mas de uma forma um tanto absurda, fora da cena dessa vez. Estava me revendo em um outro ser, parecido comigo. Eu estava apenas observando o fato, de longe, sem poder opinar em nada. Literalmente sem voz. Feito uma sombra revendo o meu passado. Mas dessa vez não era uma memória, era um fato, concreto e palpável.
       Sim, era eu em outro corpo. Com as mesmas aflições. Era eu, de uma forma diferente, com outro gene, em outro ser. Perplexa com tantas divergências em tão pouco tempo. Decepcionada com o que ouvia naquela ligação pertubadora. Eu apenas fiquei ali, vendo aquela cena sem entender de primeiro o que estava acontecendo, vendo aquele ser tão parecido comigo aflito.
       E o que aconteceu? Já não importa e nunca importou. Naquele momento me dei conta de como eu era vunerável em todos os momentos em que eu atendia o celular. Depois de tantos anos, eu precisei de uma cena fora de mim, fora do meu espaço, para finalmente poder entender o que se passava de fato fora de mim.

O amor, a vodka

 
 

      O amor me aparecia com gosto de azedume, com cara de ressaca. Descia rasgando pela garganta, como quem engole vodka pura. Delirante e viciante, de quem bebe para fugir da realidade. Mas depois que os efeitos passam com o tic-tac do relógio, o corpo já se esfria, o alcóol se esvaz e me deixa ver com mais lucidez. É quando a bendita da ressaca surge feito um soco no estômago, me fazendo lembrar de que não adianta beber ou fugir da realidade em que me encontro. - Essa era a minha visão do amor, uma caneca cheia de vodka. Ou melhor, várias.
         Questionei-me por vezes onde é que o meu tal romantismo fora parar, atirou-se de mim enquanto eu fechava os olhos. Veloz feito um ladrão. Pôs-se o corpo fora, deixando apenas a velha lembrança de que um dia existiu em mim. Mas afinal, quando foi que partiu? Quando foi que fiquei despida, sem véu e grinalda?
         Entrei numa rua escura, onde de esquina encontrava-se um bar, coloquei-me frente-a-frente com um velho conhecido meu, olho para ele, cara-a-cara, olhos-nos-olhos, desafiando sua cara de inocente. Pensa que me engana. Sua cor transparente, sua textura de água, mas seu conteúdo era mais traçoeiro. Muitos poderiam olhar para ele e dizer: é apenas um cara neutro feito água, ou, é um cara tão essencial feito água. Mas ambos estavam enganados. E se querem saber seu nome, eu o digo, mas só dessa vez, para fazer-lhes relembrar, seu nome é vodka, conhecido por mim como amor. Ou será que é amor, conhecido por mim como vodka?
         Bem, talvez eu esteja já bêbada neste momento ou esse seja o meu eu "sóbrio". Mas agora isso já nem importa mais. O que importa é que já decidi que dessa vez não terá volta, ou viro alcóolatra de vez ou largo a droga da bebida. Ficar nessa de sóbrio durante a semana e bêbada nos fins de semana está me deixando ambígua demais. Nem eu me aguento nesses momentos de ser ou não ser. - Que eu morra de amor, ou que eu o mate de vez.
- Ayllane Fulco

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Anastácia

Era uma garota chamada de Aninha, tão tolinha, na flor da idade. Cabelos naturais em cachos ruivos, pele alva revestidas de sardas. Aninha gostava de pensar que conhecia o mundo com as palmas miúdas das mãos, só porque lia muitos livros e contos. Não sabia Aninha que tão pouco ainda havia vivido, e que sua autoconfiança nada mais era do que imaturidade. Ou melhor, ingenuidade.
Aninha logo se apaixonou por um rapaz, entregou-se ao amor como se estivesse entrando ao mar pela primeira vez. Braços abertos, pernas trêmulas tentando manter-se de pé diante das turbulentas ondas. Mistura de sensações, entre medo, alegria, contemplação, angústia... Feito liquidificador em seu peito.
Aninha logo se transformou em Ana, o “inha” soava ingênuo demais para a mulher que estava nascendo diante do espelho. Ana percebeu que Aninha era tolinha mesmo, que suas teorias da vida não passavam de ilustrações baratas, feito clichês em liquidação. Pobre Aninha, pensava Ana, olhando para o espelho, percebendo que estava mais moça, mais alta, mais dona de si.
Ana, a meado de seus vinte anos, considerava-se mulher suficiente para declarar em versos altos o significado da vida. Que, para ela, era o amor. Substantivo abstrato. Em seu peito de mar, de a-mar. Era ana e o mar. Ana e o amor. E tudo parecia fazer-lhe sentido. Era feito uma base de concreto, mas como pode, Ana? Como o amor, sendo abstrato, se solidificar?
Ana diante de seu erro. Ana diante do amor sólido. Que de sólido feito pedra foi atirado contra a sua cabeça. Pobre Ana iludida, com dor de cabeça. Sentido? Qual? O amor se desfigurou em seu peito, mostrou-se em seus olhos que não era concreto, era líquido, era lágrima, com gosto amargo na boca. E agora, Ana? Qual o sentido?
Ana mais uma vez se transformou, dessa vez em Anastácia. Sim, seu nome de RG, igual ao de sua avó. Seu nome soava-lhe ao ouvido tão ríspido, tão ameaçador. Fora deixado de lado no dia de seu nascimento. Aquela criatura frágil, recém-nascida, não combinava com um nome tão forte e antigo. Era o que todos concordavam.
Hoje isso já não a importa. Aninha ou Ana, seja como queiram chamar, já não se importava com a sonoridade das palavras. Talvez isso até a motivasse a adotar um “novo” nome. E agora ela se nomeava como Anastácia. Ríspida. Crua. Fria. Épica. Entre outros adjetivos. Mas, e o sentido? E a vida? A autoconfiança?
Anastácia simplesmente não denominou mais nada. O que era interrogação, continuou sendo. O que não era, passou a ser. A vida se assumiu como uma estranha, ela já não a subestimava mais.