Chega um momento em que a solidão preenche cada espaço
vazio, torna-se nossa maior cúmplice, dividimos com ela cada tristeza,
pensamento e memória que aflige nosso âmago. Nesse momento não há pessoa melhor,
a qual conseguisse nos compreender tão bem, sem julgamentos ou conselhos,
apenas com seu completo silêncio, silêncio esse que nos acalma, acolhe feito
mãe a um filho, sem intenções, sem obrigações e sem palavras. É uma voz muda,
um beijo de brisa, um estar só completo, trazendo consigo o prazer da solidão,
o prazer de sentir-se única, poder ouvir no silêncio sua própria respiração,
seu coração pulsar e não conter o pensamento que flui sem ninguém para
atrapalhar. Solidão, solidão, solidão. É um parente que chega sem avisar, abre
a porta sem bater, nos lança em nosso mais profundo “eu”, sem querer nada em
troca, nem uma conversa fiada, nem um “bom dia” mal dito, nem a presença vazia
de um corpo. Há muito tempo a palavra solidão me intrigava, depois passei a
aceitá-la, tornou-se com o passar dos anos minha maior companheira, maior
cúmplice, minha inspiração, deixou de ser uma palavra e virou gente, hoje ela é
essencial à minha desprezível existência. Eu a vejo pelos cantos dos lugares
que frequento, pelas bordas dos poemas, nos tons musicais que saem do meu velho
violão. É onde me refugiu da pressa, das pessoas inoportunas, da fúria e dos
barulhos que teimam a abandonar-me, é o meu universo particular, é a liberdade
de emoções, é quando não me sinto antiquada ao chorar, nem sentimentalista
demais por amar. O que seria do meu existencialismo sem essa mansidão? Sem esse
espaço vazio que posso me acolher na forma que eu mesma achar melhor? Que posso
dançar sem ser vista, cantar sem ninguém para rir, chorar sem ter que ouvir “não
fique triste”. Minha companheira das noites frias, caladas e vazias, dos soluços
incontroláveis que acompanham o choro triste e profundo, o que transborda tão
livremente, feito água límpida que jorra da cachoeira. É fundo, profundo,
taciturno. É solidão, alma, coração.
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